TÓQUIO, 31 de jan (Reuters) – Apenas semanas depois de o Japão revelar detalhes de um plano energético histórico, elaborado em parte para acompanhar o esperado boom da IA, a ascensão surpreendente da startup chinesa DeepSeek desafiou as previsões convencionais sobre a futura demanda de energia do setor.
No ano passado, Tóquio abandonou suas projeções de longa data de que as necessidades de eletricidade diminuiriam devido ao envelhecimento da população e passou a considerar o maior consumo impulsionado pela IA, proveniente de data centers e fabricantes de microchips.
TÓQUIO, 31 jan (Reuters) – No final de dezembro, o governo japonês divulgou um rascunho do seu Plano Básico de Energia – um importante documento de política revisado a cada três anos – projetando um aumento de 10% a 20% na geração de eletricidade até 2040, citando justamente esses fatores.
Embora Tóquio provavelmente não se apresse para revisar suas projeções, os modelos aparentemente mais eficientes da DeepSeek desencadearam uma ampla reavaliação das necessidades energéticas da IA, algo que a maior economia pobre em recursos do mundo não pode ignorar, segundo analistas.
“Sería arriscado (para o Japão) não levar isso a sério”, disse Andrew DeWit, professor da Escola de Estudos de Política Econômica da Universidade Rikkyo, em Tóquio.
Na semana passada, a DeepSeek lançou um assistente de IA gratuito que, segundo a empresa, consome menos dados a uma fração do custo dos serviços dominantes. Na segunda-feira, ele já havia superado o rival americano ChatGPT em downloads na App Store da Apple, provocando uma onda global de vendas de ações de tecnologia.
As empresas de energia, cujas ações vinham se destacando devido às expectativas de demanda elétrica crescente para escalar tecnologias de IA, também foram impactadas, já que os investidores avaliaram os modelos aparentemente mais eficientes da DeepSeek.
Um novo dilema para o Japão
Enquanto analistas avaliam o impacto potencial da DeepSeek, surgiu uma visão alternativa: seu sucesso pode reduzir as barreiras de entrada em um setor dominado por gigantes do Vale do Silício e, paradoxalmente, aumentar a demanda total de eletricidade, com mais empresas adotando IA.
Isso é um problema em potencial para o Japão, que produz apenas 13% de suas necessidades energéticas a partir de fontes domésticas – o segundo menor índice entre os 38 países da OCDE, atrás apenas de Luxemburgo.
“Se a IA se mostrar mais barata de desenvolver do que o esperado, isso aceleraria sua adoção em massa, não a retardaria. No fim, aumentaria a demanda por energia no país“, disse Yuriy Humber, CEO da K.K. Yuri Group, consultoria especializada em energia com sede em Tóquio.
“Os funcionários japoneses demoraram para ajustar suas previsões de demanda de energia, mesmo com o boom da IA sendo evidente há dois anos. Acredito que agora monitorarão cuidadosamente esses novos desenvolvimentos“, acrescentou.
O Ministério da Economia, Comércio e Indústria (METI), responsável pelo planejamento energético de longo prazo, não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.
Um alto funcionário do ministério, falando sob condição de anonimato, disse que foi informado sobre a DeepSeek em dezembro e concluiu que, embora impressionante, a tecnologia não representa um avanço revolucionário em relação aos sistemas existentes. Na sua opinião, o mercado reagiu de forma exagerada.
A Tepco, maior empresa de energia do Japão em receita, afirmou que está monitorando de perto o impacto da DeepSeek na demanda de eletricidade, mas ainda não avaliou seus efeitos completos.
LIÇÃO AMARGA
Por anos, o monitor energético do Japão previu que a demanda futura de eletricidade diminuiria gradualmente, devido à adoção de equipamentos eficientes e ao declínio populacional. Mas, em 2024, revisou suas projeções para refletir um aumento geral, impulsionado principalmente por uma nova demanda de 5,14 milhões de kWh até 2034, proveniente de data centers e fábricas de chips.
Autoridades do governo também citaram as necessidades energéticas da IA como justificativa para reativar reatores nucleares – um tema sensível em um país que sofreu um dos piores desastres nucleares da história, quando a usina de Fukushima foi atingida por um terremoto e tsunami em 2011.
Mika Ohbayashi, diretora do Renewable Energy Institute em Tóquio, afirmou que o surgimento da DeepSeek é um “sinal claro” de que a IA pode se tornar mais eficiente e consumir menos energia. Ela criticou a associação feita por autoridades japonesas entre a demanda da IA e a promoção da energia nuclear, argumentando que o governo deveria focar mais no desenvolvimento de fontes renováveis.
Incerteza sobre o impacto energético da DeepSeek
Ainda não está claro se os modelos da DeepSeek vão aumentar ou reduzir a demanda por energia no futuro. Analistas afirmam que a tecnologia precisa passar por testes rigorosos antes que os países ajustem seus planos energéticos.
Andrew DeWit, da Universidade Rikkyo, lembrou que o Japão já sofreu no passado por erros de planejamento energético ligados à tecnologia. Ele citou os anos anteriores ao estouro da bolha econômica japonesa, no final dos anos 1980:
“O Japão era líder na produção de chips na época e acreditava que se tornaria o número um, expandindo seu sistema de energia. Mas, quando a bolha estourou nos anos 1990, essa demanda extra nunca se materializou.”
“Foi uma lição amarga. Por isso, os formuladores de políticas precisam levar isso a sério”, alertou.