China Aposta no DeepSeek: Estratégia Nacional de IA, Adoção Interna e Reações Globais

O governo chinês integrou oficialmente o DeepSeek – modelo de inteligência artificial desenvolvido pela startup de Hangzhou – à sua estratégia de IA e de soberania tecnológica.

Em 2025, o modelo foi elevado a “empresa nacional de alta tecnologia” com benefícios fiscais e subsídios estatais.

Seu cofundador, Liang Wenfeng, foi convidado a aconselhar o premiê Li Qiang e recebeu cumprimentos públicos de líderes como o presidente Xi Jinping, sinalizando apoio político à iniciativa.

Três dias após o lançamento do DeepSeek-R1 em janeiro, o Banco da China anunciou um “Plano de Ação da Indústria de IA” de 1 trilhão de yuans para fortalecer a cadeia de suprimentos local e assegurar a “autossuficiência em ciência e tecnologia”.

Essas medidas fazem parte de um esforço amplo do governo chinês para tornar a IA uma força motriz da economia nacional, conforme planos oficiais de 2017 e 2023 para transformar o setor tecnológico chinês.

Em suma, DeepSeek entrou no rol de projetos prioritários do Estado, refletindo a visão de que IA chinesa deve romper a dependência estrangeira e liderar no cenário global.

Adoção pelo Estado e setor financeiro

A adoção do DeepSeek se espalhou rapidamente por empresas estatais e pelo setor financeiro chinês. Bancos públicos e empresas afins anunciaram a incorporação do modelo em suas operações.

Por exemplo, gigantes como o Postal Savings Bank, o Industrial and Commercial Bank of China (ICBC) e bancos regionais (como Bank of Jiangsu e Bank of Beijing) já usam DeepSeek em serviços de atendimento a clientes, análise de dados financeiros e suporte ao gerenciamento de investimentos.

Corretoras (p.ex. Sinolink, Industrial Securities, GF Securities) e seguradoras estatais (Ping An, New China Life) também implantaram o sistema.

Segundo levantamento do Bank of China Research Institute, o setor financeiro abraçou o modelo por sua alta performance e custo de treinamento muito mais baixo que equivalentes ocidentais.

Vídeos da mídia estatal mostraram o próprio presidente Xi apertando a mão do fundador Liang Wenfeng, símbolo do endosso oficial; além de bancos e seguradoras, clientes empresariais do DeepSeek incluem montadoras (BYD, Geely) e fabricantes de smartphones (Oppo, Baidu).

Além dos bancos, várias estatais de tecnologia e localidades pilotaram o DeepSeek em sistemas administrativos internos.

Na cidade de Shenzhen, por exemplo, um distrito usou o modelo para processar documentos de 20 mil funcionários públicos, reportando 95% de acurácia e 90% de redução no tempo de aprovação de processos.

Outras cidades e províncias menores também anunciaram treinamentos e integrações do DeepSeek em seus órgãos administrativos.

Esses casos refletem diretrizes não-oficiais encorajando governos locais a adotar tecnologias nacionais de IA para melhorar eficiência, dentro do escopo da estratégia de inovação estatal.

Setores de aplicação: educação, saúde e outros

O DeepSeek vem sendo rapidamente integrado a diversos setores além do financeiro. Na educação, universidades de ponta já lançaram cursos e ferramentas baseadas no modelo.

A Shenzhen University estreou em fevereiro um curso sobre DeepSeek para ensino de tecnologias chave e debates sobre ética e privacidade da IA.

A Universidade Zhejiang também passou a oferecer disciplinas especiais sobre o DeepSeek, enquanto a Universidade Shanghai Jiao Tong atualizou suas ferramentas de ensino de IA usando o modelo em sala de aula.

A Renmin University declarou aplicar o DeepSeek “em múltiplos campos” do campus para pesquisa e administração.

Esses movimentos se dão no contexto de um plano nacional de educação anunciado em janeiro de 2025, que prevê modernizar escolas e universidades com foco em inovação tecnológica até 2035.

No setor de saúde, quase 100 hospitais chineses anunciaram planos de usar DeepSeek em diagnósticos médicos, análise de exames de imagem, controle de qualidade de prontuários e pesquisa farmacêutica.

Por exemplo, o Hospital do Terceiro Afiliado da Universidade de Pequim (Peking University Third Hospital) é um deles.

As aplicações incluem apoio à decisão médica e geração de relatórios automatizados. Apesar dos benefícios, autoridades de saúde provinciais têm alertado para não usar o modelo em prescrições médicas sem supervisão humana.

Mesmo assim, a adoção no setor reforça a intenção estatal de impulsionar a IA em serviços públicos de grande escala.

Outros setores também incorporaram o DeepSeek. Na indústria automotiva, mais de 20 marcas chinesas (como Geely) anunciam integrar o modelo a assistentes de bordo e sistemas de informação dos veículos.

No mercado de smartphones, os cinco maiores fabricantes chineses (Huawei, Oppo, Vivo, Honor, Xiaomi) atualizaram suas assistentes digitais com funções do DeepSeek R1 para criação de texto e vídeo em seus aparelhos.

E grandes fabricantes de eletrodomésticos, como a Midea, lançaram produtos de “internet das coisas” – por exemplo, condicionadores de ar que respondem a comandos de voz e ajustam temperatura de forma proativa – usando o DeepSeek nas interações com usuários.

Embora esses exemplos não sejam setores tradicionais de Estado, evidenciam como a adoção de IA chinesa se espalha rapidamente a diferentes frentes.

Em resumo, o DeepSeek já está presente em universidades, hospitais, montadoras, operadoras de telecom e administrações locais na China.

O número exato de usuários não é divulgado pelo governo, mas estimativas externas falam em dezenas de milhões de usuários diários globalmente, refletindo a ampla penetração do aplicativo (incluindo na China).

O ritmo sugere que o modelo se tornou ferramenta comum em educação, finanças, saúde e até segurança pública (algumas reportagens notaram uso por departamentos policiais em tarefas administrativas), ressaltando a adoção interna acelerada do DeepSeek na “IA chinesa” do dia a dia.

Modelos chineses alternativos

O sucesso do DeepSeek despertou respostas dos concorrentes domésticos. Empresas de internet chinesas já desenvolveram seus próprios grandes modelos de linguagem.

A Baidu, por exemplo, lançou em 2023 o ERNIE Bot (modelo Ernie 4.0/4.5) com foco multimodal, no esforço de se posicionar além do DeepSeek.

Em março de 2025, a Alibaba divulgou seu modelo de raciocínio Tongyi Qianwen QwQ-32B (também chamado de Qwen 2.5-Max), que ela afirma ter desempenho superior ao DeepSeek-V3 em testes internos.

A iFlytek, conhecida por reconhecimento de voz, também disponibilizou desde 2023 sua série Spark (Spark 1.5 até 3.5) para o público, destacando capacidades em reconhecimento de fala e educação.

De modo geral, esses modelos alternativos são liderados por grandes empresas estabelecidas (Baidu, Alibaba, iFlytek) e em alguns casos já estão integrados a serviços próprios (motor de busca, apps corporativas, automóveis).

Na comparação técnica, o DeepSeek costuma ser destacado por ser totalmente open source e gratuito, diferentemente de alguns concorrentes que podem ter lançamentos proprietários ou restrições comerciais.

Também foi desenvolvido com custos de computação relativamente baixos, graças a técnicas inovadoras de “test-time scaling” elogiadas até pela Nvidia.

Já ERNIE e Tongyi Qianwen surgiram com orçamentos maiores e em plataformas fechadas das respectivas empresas, e a série Spark (iFlytek) enfatiza a incorporação em produtos de voz e robótica.

Enquanto o DeepSeek rapidamente ganhou notoriedade global por sua eficiência, esses modelos alternativos focam em nichos específicos ou em uso interno das corporações.

Em síntese, todos fazem parte de uma estratégia chinesa de diversificar sua oferta de IA: a competição doméstica segue intensa, com cada gigante anunciando periodicamente avanços para não ficar atrás do DeepSeek.

Reações internacionais DeepSeek

O destaque do DeepSeek provocou forte reação no exterior, especialmente quanto à privacidade e segurança de dados. Na Europa, diversos países já impuseram restrições.

A Itália foi pioneira ao bloquear em janeiro de 2025 o aplicativo DeepSeek em lojas online locais, após o regulador de dados (Garante) considerar insuficientes as explicações sobre coleta e armazenamento de dados pessoais.

França e Irlanda também anunciaram investigações sobre a política de privacidade do modelo, seguindo o exemplo italiano.

Na Alemanha, a autoridade de proteção de dados solicitou oficialmente à Apple e Google que removam o DeepSeek de suas lojas, alegando transferência ilegal de dados pessoais para a China.

Outros países europeus adotaram medidas variadas: a Holanda proibiu o uso em dispositivos de seu governo, a Bélgica aconselhou funcionários a evitar o serviço, e grupos de consumidores na Espanha pediram análise regulatória.

Em síntese, reguladores europeus têm colocado o DeepSeek sob forte escrutínio, sob a ótica da Lei Geral de Proteção de Dados da UE, tratando-o como potencial risco estrangeiro.

Fora da Europa, Estados asiáticos e do Pacífico também agiram. A Taiwan considerou o DeepSeek uma ameaça à segurança nacional e, em fevereiro de 2025, proibiu seu uso em todos os órgãos governamentais, citando riscos de vazamento de dados e censura estatal.

A Coreia do Sul anunciou investigações sobre privacidade do DeepSeek em instituições financeiras e públicas.

Na Austrália, o governo federal vetou o DeepSeek em aparelhos de todo o setor público, classificando a IA como “risco inaceitável” e ordenando a remoção imediata de sistemas do país.

Em países como Taiwan e Austrália, decisões foram justificadas pela proximidade ou tensão com a China e pela percepção de obrigações legais chinesas de acesso a dados.

Nos Estados Unidos, ainda não houve um banimento federal geral, mas o tema entrou em debate.

Em nível estadual, o Texas tornou-se, em janeiro de 2025, o primeiro estado a proibir o DeepSeek em dispositivos estatais, com o governador Greg Abbott citando temores de “coleta de dados” pelo Partido Comunista Chinês.

No Congresso americano, legisladores prepararam projetos de lei para impedir que agências federais utilizem qualquer IA desenvolvida na China.

Além disso, investigações governamentais internacionais (inclusive no Brasil e EUA) já consideram o DeepSeek sob a ótica de segurança e compliance.

Em resumo, as reações internacionais incluem bloqueios, proibições setoriais ou questionamentos regulatórios em diversos países (Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica, França, Irlanda, Taiwan, Austrália, Estados Unidos etc.) motivados por preocupações com privacidade de dados e eventuais ligações militares.

Ainda que o DeepSeek esteja liberado para uso público em muitos países, seu acesso passa a ser restrito em ambientes oficiais estrangeiros, com debates acalorados sobre soberania digital e espionagem.

Implicações geopolíticas e o Sul Global

O impacto do DeepSeek também se estende à esfera geopolítica, especialmente em mercados emergentes. Analistas apontam que o modelo poderia acelerar a difusão da IA em países do Sul Global (África, Sudeste Asiático, América Latina) justamente por ser uma IA de ponta desenvolvida a baixo custo.

Relatórios, como do Carnegie Endowment, sugerem que o DeepSeek quebra o paradigma de que apenas nações ricas podem criar IA avançada; na visão de especialistas, “DeepSeek R1 demonstra que IA de ponta pode ser desenvolvida de forma acessível, abrindo caminho para adoção mais ampla e equitativa” em regiões como África e Índia.

Além disso, a ascensão do DeepSeek cria novos vetores de influência chinesa.

Como parte de políticas de restrição ocidentais à tecnologia de IA exportada (por exemplo, proibições dos EUA a dezenas de países africanos), muitos países africanos e de outras partes do mundo poderiam buscar parcerias estratégicas de IA diretamente com a China.

O modelo de negócios aberto e gratuito do DeepSeek torna a China um fornecedor atraente de tecnologia de IA, sobretudo para governos que enfrentam barreiras de licenciamento e altos custos com empresas americanas.

Na prática, isso pode traduzir-se em acordos de cooperação e ciberparques de dados chineses em países em desenvolvimento, ampliando o alcance global da “IA chinesa”.

Como resume um especialista, diante de controles de exportação dos EUA que vetam acesso de muitos países a tecnologia avançada, “é plausível que nações africanas se voltem estrategicamente para parcerias de IA com a China”.

Em síntese, a trajetória do DeepSeek promete reconfigurar o jogo tecnológico global: internamente fortalece o ecossistema de inovação da China, e externamente desloca as balizas da competição em IA.

A aposta estatal no DeepSeek representa não só uma vitória tecnológica para a China, mas também sinaliza um possível realinhamento geopolítico, com o país se consolidando como um novo polo de desenvolvimento e exportação de inteligência artificial.

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